quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Diário de uma Voluntária de Saltos #3

Hoje foi um dia mais complicado.
Chego à escola por volta da mesma hora de sempre, vou buscá-la à sala e a professora comentou que ela se tinha portado mal (sinceramente, não me surpreendeu). Já vinha com coisas pensadas para ela fazer. Comprei um caderno onde ela pudesse desenhar (em vez de ser no meu caderno da faculdade) e troxe umas canetas e lápis de cor que tinha em casa, nas catacumbas da minha gaveta da tralha. Pedi que ela desenhasse a casa dela e a família, para tentar perceber o que se passa e se tem algum tipo de problemas em casa (coisa que se verifica bastante nestas crianças que apoiamos). Toda contente e bem disposta aceita e põe mãos à obra. Enquanto desenhava fui fazendo perguntas. Comecei por perguntar como tinha corrido o fim de semana. Não me dá muita conversa. Diz-me que correu bem, conta-me uma situação em que o irmão a assustou e pouco mais. Puxo a conversa do comportamento e pergunto porque é que a professora tinha dito aquilo, mas ela continua a pintar como se não tivesse ouvido. Digo-lhe que me pode contar, que não me vou chatear com ela por causa disso, mas ela nem abre a boca para falar do assunto. Até compreendo esta atitude, ainda estou a tentar ganhar a confiança dela. É apenas a 2ª vez que lá vou e, apesar já gostar imenso dela, é normal que ela ainda não me queira contar tudo, especialmente  as coisas menos boas. Sinto que ela ainda me está a tentar impressionar para que goste dela (mal ela sabe que já estou completamente rendida).
Nisto ela está a acabar de desenhar uma casa. Pergunto se é a dela e ela diz-me que não. Muda de folha e começa de novo a desenhar. Volta a desenhar uma casa (bastante semelhante à anterior) e digo para desenhar a família. Pergunto-lhe se vive com os pais e com os irmãos. Diz-me que sim. Pergunto se os irmãos são mais velhos ou mais novos. Conta-me que tem uma irmã e um irmão mais velhos (apesar de não saber as idades) e um irmão mais novo. Não faz qualquer referência aos pais. Desenha a irmã a amarelo e (só depois de eu pedir) o irmão a vermelho. Diz-me que já acabou e que não quer desenhar mais. Também não faz nenhuma referência dos pais no desenho (começo a ficar desconfiada de que algo de errado se passa).





Farta-se de desenhar (ainda deve ter aguentado uns 10 minutos o que, para ela, já é bastante bom) e vai buscar um puzzle. Começa a tentar montar mas, como verifica que está a ter pouco sucesso, farta-se e desiste. Ajudo-a a tentar montar o puzzle, tento explicar que não podemos desistir e que, se começamos temos de acabar. Foi em vão (aparentemente, lições de moral pela manhã não resultam... teimosa...).
É hora do lanche da manhã. Fomos buscar o habitual meio pão com manteiga e o leite com chocolate e regressamos à sala. Já tinha reparado que era uma criança super energética, mas hoje parecia que lhe tinham posto pilhas novas! Estava imparável! Começa a andar de uma lado para o outro na sala, aos pulos e na brincadeira quando decide rir e beber o leite ao mesmo tempo. Conclusão, parecia um chafariz de leite com chocolate. Digo-lhe que tem de limpar o que sujou e dou-lhe um lenço. Atira-se para o chão e começa a limpar (limpou mais com as calças do que com o lenço, acho que ela não percebeu bem o que era pretendido...) sempre com se estivesse ligada à tomada.
Não consegui fazer mais nada de "produtivo" com ela. Depois do lanche da manhã ela costuma ficar sempre mais agitada, talvez porque os amiguinhos estão também no intervalo. Desarrumou uma data de jogos e filmes e não gostou muito da ideia de lhe dizer que tinha de os arrumar a seguir. Tentei manter-me firme e assertiva e ficou tudo arrumado (dentro do possível). Quero que ela saiba que também tenho um lado sério quando é preciso. Começa com a ideia de que quer ver um filme e vai logo buscar uma panóplia de cassetes. Tento convence-la a fazer outra coisa, mas ela insiste na mesma ideia (gosta sempre de me desafiar). Digo que não temos autorização para mexer na televisão e no vídeo e, depois de várias insistências e um amuo (que passou depressa) vai arrumar as cassetes no sítio.
Mas não foi tudo "mau" neste dia.
Ela decide atirar-se para uns puffs que estavam na sala, arrasta-os, tapa-se com eles e, por fim deita-se. Vou ter com ela e encho-a de cocegas. Encolhe-se toda e  desmancha-se a rir. Depois "deito-me" ao lado dela e ela encosta a cabeça sobre a minha barriga e agarra-se a mim (deve ter durado para aí uns 10 segundos, uma vitória, tendo em conta que se trata da Nicole). Depois, vai na direção de um microfone e começa a dar um mini concerto. Ainda sentada no puff, "danço" ao som da música e a bato palmas. Disse-me que era uma música da violeta, mas não percebi uma única palavra.
Quando lhe digo que tem que arrumar as coisas porque está na hora de me ir embora começa a fazer birra. Não quer que me vá embora. Insiste sempre para eu ficar e arranja sempre outras coisas para fazer para que não possa ir. Volta a desarrumar os microfones, vais buscar mais jogos... por fim, deita-se nos puffs e finge que está a dormir. Com voz séria, digo que tem de ser, que sei que não está a dormir e puxo-a pelo braço para se levantar. Levanta-se e volta a deitar-se no chão e a cena repete-se. Digo que vou ficar chateada com ela e ela, não muito convencida e ainda menos conformada com a situação levanta-se. Ajudo-a a vestir a camisola (que tinha despido porque estava com calor), digo-lhe (como lhe havia dito a semana passada) que voltarei na próxima quarta feira à mesma hora. Nisto, outra amiga pequena (de uma amiga minha) decide apagar a luz. Finge que tem medo e agarra-se a mim (caio com de rabo no chão), mas não a largo. No fundo só queria miminhos. Peço lhe que me prometa que se vai portar bem (apesar de saber que é pouco provável que o faça).
Levo-a à sala e deixo-a no lugar. Relembro-lhe que me prometeu que se ia portar bem, dou-lhe um beijinho e venho-me embora.
Sem que ela se aperceba, cá fora, falo com a professora. Pergunto-lhe como é que ela se tem portado e confirma-se tudo o que pensava. Conta-me que ela é muito desatenta e irrequieta, quando está ao pé dela ela consegue fazer bem as coisas mas, quando a professora se afasta é um problema. Diz-me ainda que já falou com a mãe e a única coisa que esta lhe disse foi: "Pois...". Não se importa muito com o assunto.
É uma criança que não está habituada a ter regra nem a que lhe sejam impostos limites e, por isso, tem muitas dificuldades em estar quieta e concentrada na sala de aula.
Sei que tenho de a ajudar. Quero muito fazê-lo e, já pensei em várias coisas para fazer para a semana para a tentar encaminhar. Vamos dar passos pequenos, sou paciente. Tenho muita esperança mas, ao mesmo tempo, tenho medo de não conseguir...
Apesar de tudo, saio sempre de lá com o coração quentinho.
Uma coisa é certa, por mais que ela me desafie e não se porte bem, já não consigo deixar de gostar dela e não vou desistir de forma nenhuma.
Enfim, uma semana de cada vez...



Lembrem-se:
Keep your heels, head and standards high,
Vanessa S.

3 comentários:

  1. Tão gira, deve ser mesmo uma "pestinha", mas parece tão querida pelo que dizes.
    Beijinhos
    A MODA AO MEU ALCANCE

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  2. Adorei!!! Sei que vais conseguir, és muito paciente e com essa calma tu consegues alcançar todas as metas...Muita força e sempre que precisares eu estou aqui. Bjs
    Graziela

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  3. Selecionei-te para o Libster Award Tag!
    beijinhos*
    http://depressed-but-welldressed.blogspot.pt/

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